Arroz e feijão. Sofá no domingo, pizza na quarta-feira, futebolzinho de segunda. Almoço com a família. Praia em janeiro, montanha em julho. O amigo secreto no final do ano. Marcelo Huertas + Tiago Splitter. Nem sempre é necessário fazer o diferente, fugir do óbvio, evitar uma rotina.
Há um certo faniquito nos alas da Seleção brasileira aparentemente irremediável, uma vocação para a ousadia que sempre foi bem-vinda pelos técnicos da base e do Paulistão. São jogadores nascidos para matar. Correr, chutar e matar, como se não houvesse amanhã. Então é compreensível que exista uma dificuldade de se adaptar e ser careta.
Mas, gente, nós chegamos a um ponto que não tem mais desculpa, uma situação de calamidade pública. São 40 minutos de jogo, muitos ataques pela frente, todo mundo vai ter sua chance. Passou da hora de nossos alas entenderem que o jogo da equipe tem de ser canalizado em seu armador e seu pivô.
Eles já foram considerados os melhores da Espanha em suas posições, a mesma Espanha campeã de tudo na modalidade nos últimos anos. Um foi contratado pelo poderoso Barcelona agora há pouco, o outro veste a camisa do Spurs, que batalhou por anos para assegurar sua contratação. Clubes, exemplares em seus mundos, que não precisam de credenciais.
O politicamente correto do basquete prega que o jogo não pode esbarrar em estrelas, que belo é o jogo coletivo. No caso da Seleção, já que não é o que vem acontecendo há anos e parece que não será agora em Mar del Plata que vá ocorrer mesmo, vamos ousar um pouco, então, e sugerir uma quebra formal e total com esse conceito? Desde que seja com seu armador e seu pivô. Afinal, nessas condições, quanto mais Splitter e Huertas, melhor para o Brasil. Foi assim na vitória por 69 x 57 contra o Canadá.
No quarto período, quando Magnano percebeu que tinha um banco em jornada inócua e viu que não podia mais dar um minuto sequer de descanso para esse par, os dois fizeram toda a diferença.
Em noite de pífia produção ofensiva (dois arremessos certos em nove tentativas diante do atlético e imponente Joel Anthony), o pivô causou impacto no jogo do outro lado, usando sua disciplina e inteligência para fechar as brechas no garrafão brasileiro contra as infiltrações canadenses e selar os rebotes, que foram um grande problema, mais uma vez, especialmente no terceiro quarto (ele apanhou dez, nove defensivos).
Já Huertas, diante da inoperância das tropas, teve de carregar o time no ataque. Percebendo que os canadenses estavam muito precavidos em relação aos passes regulares para Splitter, o armador viu que era a hora de fazer o estrago por conta própria. Saiu daí uma enxurrada de belos arremessos em flutuação. A bola subiu mansa e caiu feito bomba (70% de aproveitamento) na cabeça dos canadenses, desamparados com seu cobertor curto, abrindo finalmente uma vantagem confortável na metade final do quarto período. Pois não nos enganemos com o placar final: tal como contra a Venezuela, tivemos os primeiros 35 minutos de jogo com muita tensão. No fim, Huertas terminou com 17 pontos, dez deles no quarto derradeiro.
O Brasil tem, sim, duas estrelas de verdade em seu elenco, doa a quem doer, e o resto do grupo precisa deferir em nome deles. E os jogadores não precisam se avexar com isso: os dois são afeitos a jogadas certas, avessos ao egoísmo – das 14 assistências noite, nove foram da dupla (seis de Huertas e três de Splitter, os únicos com múltiplas assistências na equipe, por sinal). Está claro que eles não querem a luz toda para eles. Mas, que eles precisam mais da bola em suas mãos, isso é óbvio.
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