Vamos falar a verdade: talento não falta no Eurobasket, mas em algumas ocasiões os embates do campeonato podem ser bem chatos. Como questiona o professor Paulo Murilo, com alguma indignação, temos um cenário com o jogo pasteurizado diante de nós, com todos os times fazendo praticamente a mesma coisa em quadra, o tempo todo, por 40 minutos. É uma apologia ao hermético (emprestando a definição do Michaelis: "2 Fechado completamente, de modo que não deixe penetrar ou escapar o ar (vasos, panelas etc.); estanque"). Esse jogo estanque que virou o padrão a ser assimilado por todas as escolas, como se fosse o único modo de se praticá-lo.
Claro que há movimentações interessantes, com o bicho pegando fora da bola com fileiras de corta-luz, fintas e muita defesa. A maioria dos campeões é moldada com estas características. Não esperamos também que o ritmo de peladas de alguns jogos nacionais deixe nossas fronteiras. Mas é tão custoso assim dar um pouco de liberdade aos jogadores?
O Phoenix Suns de Steve Nash já mostrou nos últimos anos que é possível fugir do padrão e ser competitivo. Você pode perguntar o que eles ganharam. Bem, o canadense ainda não tem seu anel de campeão, mas disputou três vezes a final da poderosa Conferência Oeste – isto é, foram melhores por três anos do que pelo menos outros 26 clubes –, e, uma lesão a menos para um Joe Johnson ou Raja Bell, uma suspensão a menos para Amaré Stoudemire e Boris Diaw, e quem sabe o que poderia ter acontecido?
A equipe dos sete segundos ou menos foi revolucionária e pode encarar muita resistência entre os tradicionalistas. Mas o mesmo Suns, de um modo mais recatado, também ofereceu outras perspectivas em 2009-2010 sob o comando de Alvin Gentry, com uma defesa aceitável (na média da liga em todos as análises estatísticas) e sem tanta correria, mas com inventividade no ataque, jogando sob um improviso orquestrado.
Nem todos podem contar com Nash, um gênio em quadra. Mas há muito talento por aí afora, e há muito talento no Eurobasket. Nas semifinais disputadas neste sábado, isso era evidente. E aqui selecionamos alguns desses jogadores que mereciam um pouco mais de autonomia para esbanjar suas capacidades incomuns:
- Juan Carlos Navarro , escolta da Espanha
Juan Carlos Navarro explode em quadra mais uma vez |
Ok, não é o melhor exemplo, já que esse pode mandar prender e soltar nos limites da Península Ibérica, e quem vai questionar? Seu apelido, La Bomba, está entre os melhores, se não for o melhor, e foi mais do que justificado contra a Macedônia, em especial no terceiro período. Nesta parcial, ele marcou nove pontos consecutivos nos minutos finais, de um total de 17 ou 19 pontos ( tanto faz, né?), para sua seleção, ajudando justamente a construir uma vantagem de nove pontos no placar. Desta forma, os atuais campeões europeus, enfim, se encontraram em uma situação mais confortável na partida. Uma dessas bolas foi quase uma bandeja da linha dos três pontos. Loucura? Nah, quem pode, pode. Ele marcou 35 pontos na partida, Como escreve o site da FIBA: "Havia uma sensação de déjà vu quando, pelo segundo jogo seguido, Juan Carlos Navarro explodiu no segundo tempo para esquentar seu time rumo ao triunfo". Ah, dúvida solucionada: foram 19 pontos em dez minutos.
- Pero Antic, ala-pivô da Macedônia
As tatuagens de Pero Antic deixam o congolês Ibaka para trás |
Um figuraça, como expresso nas incontáveis tatuagens que mapeam seu corpanzil. Fortão de 2,10m de altura que briga feito doido nos rebotes (incomodu, e muito Pau Gasol), marca bem no pick-and-roll com agressividade, mas apresenta um jogo surpreendentemente técnico no ataque. Apesar de não ter a melhor pontaria dos três pontos (chuta em média cinco vezes de fora e converte apenas 1,5, média pífia de 30%), ele consegue iludir seus defensores em marcar seu chute. Contra a Espanha, foi engraçado: ele tem uma finta muito rápida para fingir que está armando um curioso arremesso – seu corpo fica um pouco de lado, e o braço estendido em diagonal – que pegou desprevenido o espanhol (coff! coff) Serge Ibaka e Pau Gasol diversas vezes. Engatihava, e lá se viam os grandalhões decolarem para contestar um chute que não vinha. Desta forma, abriu a defesa espanhola e conseguiu criar a partir do drible com passes corajosos e precisos. Tem 29 anos, mas com cara de 35, em uma carreira que passou por Grécia, Sérvia e Bulgária. Hoje, defende o Spartak de São Petersburgo, mas poderia jogar em ligas maiores, na certa.
- Nicolas Batum, ala da França
Batum voa para cravar: cadê a passividade? |
O basquete é muito fácil para o jogador do Portland Trail Blazers. Na verdade, parece até injusto. Poucos atletas podem jogar com a leveza deste francês, com seus movimentos aparentemente sem esforço para dar cravadas incríveis, disparar no contra-ataque, cobrir a quadra na defesa com uma velocidade impressionante, entre outros atributos que sua capacidade atlética lhe permite. Só não confunda essa graça toda com passividade: Batum hoje já não é mais aquele bom menino que muitas vezes foi questionado nas categorias de base por uma suposta falta de desejo em quadra. Talvez ele nunca se torne um assassino como Kobe Bryant, mas, aos 22 anos, já causa estragos em competição de alto nível com um jogo completo. Além as enterradas desmoralizantes e recuperações incríveis para tocos e roubos de bola, ajudando a deixar a defesa de sua equipe ainda mais compacta em parceria com Joakim Noah, ele vem contribuindo com um acerto de 44,1% nos três pontos e 55,7% de quadra. Tudo parece muito fácil para Batum, e é um pecado que a França não use mais seus atributos no contra-ataque.
- Andrei Kirilenko, ala da Rússia
Capitão Nascimento não aguenta: "O sistema ferrou com Andrei Kirilenko: |
O técnico David Blatt caomanda ataques sempre muito bem estruturados e programados, um pouco da mesma realidade que o astro russo encontrou durante uma década sob o comando de Jerry Sloan no Utah Jazz, embora com princípios diferentes. Talvez seja por isso que tenha dito em entrevista após a vitória sobre a Sérvia nas quartas de final que o ala Viktor Khryapa tinha sido seu melhor jogador em quadra, como informa o veterano repórter Chris Sheridan, agora com seu próprio site e uma cobertura mais aprofundada do Eurobasket. Khryapa segue as regras e é uma figura fundamental para comandar a ofensiva inspirada nos tempos de Princeton de Blatt, com sua habilidade para fazer o passe frontal, do topo do garrafão. É um tremendo jogador, sem dúvida. Mas, quando falamos de Rússia, fica difícil ignorar o que o AK-47 traz para a quadra. Houve um dia em que ele flutuava tal como Batum. Já não é mais o caso, mas seu dinamismo ainda é louvável, sendo um jogador que pode colocar números em todos os quesitos de fundamento do jogo, um dinamismo que muitas vezes foi cerceado.
O próprio Blatt advoga em nossa causa em entrevista a Sheridan: "Ele é como um belo e selvagem cavalo. Ele joga o seu melhor quando está vagando por aí e correndo livre. Pedimos para ele jogar dentro do sistema, mas, honestamente, seus melhores momentos acontecem quando ele está faz as coisas de acordo com o que seu coração e seus instintos lhe pedem. A maior parte de suas grandes jogadas não vem da estrutura, mas da mente e do belo talento que ele possui".
Blatt é um dos melhores técnicos do mundo, e não dava para colocar de melhor forma a proposta deste comentário. O que é de deixar maluco é o "honestamente" em seu discurso. Ele sabe e vê diariamente o que Kirilenko pode propiciar ao seu time. Mas muitas vezes o sistema não deixa – e imaginem agora, por favor, o Capitão Nascimento narrando este parágrafo.
Por favor, deixem os cavalos correr mais. Deixem eles jogar.
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