terça-feira, 15 de novembro de 2011

Do ultimato ao basta

No dia 14 de janeiro de 1964, um punhado de jogadores da NBA estava cansado de ver ignoradas as demandas s de seu recém-criado sindicato, por melhores condições de trabalho, um plano de pensão e todo o pacote de sempre. Resolveram, então, organizar um boicote ao 14º All-Star Game, em pleno vestiário do Boston Garden, justamente a primeira edição do evento a ser transmitida em rede nacional.

A tensão era imensurável nos corredores da arena. Por que os jogadores não davam as caras? Qual seria o tamanho daquele fiasco? O proprietário do Los Angeles Lakers desceu aos vestiários e puxou de canto o grande astro de sua equipe, o ala-armador Jerry West e o ameaçou: ou vai para a quadra, ou nunca mais vestiria aquele uniforme. West disse que, então, não poderia mais jogar com as cores roxo e amarelo. O incidente se repetiu com outros jogadores.

A partir dali, o sindicato ganhou força, e a liga, com a silhueta do próprio West estampada em seu logo, nunca mais foi a mesma.

O Logo 
Doa a quem doer, uma coisa não dá para negar: a decisão dos ateltas da NBA de bater de frente com os proprietários das franquias tem esse paralelo histórico.

Os jogadores do Campeonato Italiano e do Campeonato Espanhol de futebol já fizeram greve por conta própria, insatisfeitos com condições financeiras e técnicas que tinham pela frente na temporada, a NFL e a NHL também tiveram discussões sérias nos últimos anos, mas nunca um grupo de "empregados" se postou da forma como nesta segunda-feira. Eles fecharam a porta na cara dos chefes, quando os opositores imaginavam que encontrariam o café já fresquinho e os bolinhos de chuva à mesa.

Obviamente, não dá para exagerar na romantização, já que boa parte dos durões que decidiram levar ao tapetão a disputa por um bolo formidável de receitas são milionários, com a vida de seus bisnetos garantida. Quando o confronto destes aponta para um grupo de bilionários, porém, a relativização entra em jogo.

Não precisamos ter medo de generalização: a relação entre os donos dos clubes e seus atletas sempre foi conduzida pela singela equação de eu-mando = você-obedece. No mundo do esporte, em que trabalho se confunde com entretenimento, não deveria ser tão simples assim.

O tradicionalista dentro de você vai dizer que o "clube X está acima de qualquer fulano", que "os atletas passam, os clubes ficam". Quantas mesas redondas já não foram encerradas com a capitulação dos indivíduos perante as instituições? Se formos pensar em nossas paixões clubísticas brasileiras, talvez seja difícil deixar esse preconceito de lado. Neste caso, como a briga feia está milhares de quilômetros acima de nós, há um distanciamento mais do que suficiente para pensarmos com a cabeça e, não, com o coração.

Os clubes são mais duradouros, quase sempre. Mas, sem estrelas, sem sucesso, o quanto eles durariam?  Imagino que haja um certo limite para o "jeito Curintia de ser". Algumas torcidas podem se orgulhar da raça apresentada por seu elenco, mas até quando essa admiração vai se prolongar se a equipe não conseguir ser competitiva? Alguns persistentes vão seguir na luta, bravamente. Esporte não vale apenas por vitórias. Só não dá para ignorar o fato de que, no global, com o passar das gerações, esses times perderiam uma parcela significativa de seguidores. Há inúmeros casos por aí, especialmente no futebol brasileiro.

O Boston Garden é dos poucos ginásios em que o clube pode ser maior que o astro
Nos Estados Unidos, mais especificamente na NBA, essa tradução do conceito de "clube histórico superior" talvez só valha para o caso de franquias consagradas como Boston Celtics e Los Angeles Lakers. As diversas alternativas de entretenimento no país – e a grave crise econômica – não dão a boa parte de suas 30 franquias o luxo de depender exclusivamente do afeto de sua base de fãs. Em geral, se o time não vai bem por anos, seu departamento de marketing vai ter de ralar para encher os ginásios.

Aí entram em ação as estrelas. Pode ser um superjogador (LeBron James) ou uma figura cujo carisma vai além do que seu jogo oferece (Anderson Varejão): o certo é que os clubes precisam vender algo a seus torcedores. E, por mais que o sentimento anti-LeBron e as promessas do proprietário Dan Gilbert tenham sido o suficiente para lotar a Q-Arena por toda uma temporada em Cleveland,  não há sede revanchista que resista a temporadas seguidas de mais de 50 derrotas.

Em termos de basquete, então, só dá para fazer campanhas de sucesso com estrelas em quadra? Também não chega a tanto. O time com a química certa pode ir longe. Mas, se recuperarmos a lista de campeões da liga, fica menos desagradável advogar que um time com a química certa e atletas da elite da elite funciona melhor ainda, não?

De novo: ainda há puristas, apaixonados em extinção pelo basquete ou pela camisa, que vão renovar anualmente seu carnê de ingressos, independentemente do produto oferecido em quadra. Mas já faz pelo menos 20 anos que as clubes da NBA se enxergam como franquias e, não, como meras instituições esportivas. O modelo de operação predominante, desde o boom no mercado interno dos anos 80 com Magic Johnson x Larry Bird e a expansão global, na década posterior, com Michael Jordan, Nike, ESPN e Dream Team, é de negócios.

Os negócios, nesse caso, dependem muito mais de seus "empregados" do que em qualquer outra área. Sem West, Elgin Baylor e outros em quadra, o título All-Star não faria sentido algum. E quem se interessaria por só mais um Game? Por isso, impossível não resgatar o episódio de 47 anos atrás (biografias recentes de Jerry West, Bill Russell e o imperdível livro The Breaks of the Game, de David Halberstam, contam bem a respeito).

O Sindicato dos Jogadores anuncia sua decisão de levar o locaute aos tribunais
De lá para cá, a NBA cresceu timidamente (final dos anos 60, início dos anos 70), quase quebrou (final dos 70), se reorganizou e se expandiu (anos 80), chegou ao ápice (anos 90), se estancou (00's) e agora vinha em uma retomada de crescimento. O salário médio dos jogadores saltou estratosfericamente. Em muitos casos, é possível dizer que muitos desses atletas roubaram seus clubes, com um desempenho pífio que não justificasse seu megacontranto. O mercado voltou a sair de controle. A renda anual, por outro lado, também nunca foi superior. Havia, de todo modo, a necessidade de uma renegociação. Nesse ponto, os proprietários exageraram. Eles alegavam que tinham prejuízos de US$ 300 milhões anuais com o atual sistema. Os jogadores cederam e abriram mão de um valor superior a essa quantia. Não obstante, esses empresários quiseram mais e mais com novas propostas que iam além da questão financeira que desagradaram, e muito, à outra parte.

Quando as tratativas se encerraram em ultimatos por parte da liga, de que tempestades estariam por vir, com os homens de negócios bilionários confiantes de que a outra parte cederia de prontidão, na marra, houve um erro grave de cálculo. Cada ameaça tinha o intuito de acuar o outro grupo. Em vez disso, esses atletas, superestrelas ou não, resolveram dar um basta.

O romantismo certamente não é o mesmo dos tempos de West. Mas a atitude tem o mesmo significado.  Agora só nos resta saber o quão significante será a sua repercussão.

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