Kammerichs deixa o muito mais atlético Shilton para trás de alguma forma |
Robert Day acabou roubando a cena. A pauta prévia do VinteUm era assistir ao duelo entre Flamengo e Uberlândia no sábado com olhos fixos (bem, na medida que o enquadramento da TV permitir) em Federico Kammerichs, que vem arrebentando no campeonato nacional. Desviamos um pouco a atenção, mas cá estamos com ele.
Para os que acompanham o bigodudo por anos e anos de confronto com a Argentina, não surpreende que o medalhista olímpico contribua positivamente para o clube carioca e que seja um sucesso no NBB. Só não dava para esperar tamanho êxito, che: Kammerichs vai sustentando médias de 13,9 pontos por jogo, algo que jamais contentaria um Oscar Schmidt, mas é de se destacar num clube que já reuniu na mesma quadra gatilhos como Machado, Leandrinho e David Jackson, em um contexto de salve-se-quem-puder. Nos rebotes, ainda melhor, com 10 por partida, liderando toda a liga. Além disso, seu aproveitamento nos arremessos de dois pontos é de 69,47%, convertendo basicamente seis por jogo a cada oito ou nove tentativas. Seus números defensivos não são de outro mundo, num reflexo de seu posicionamento correto, priroizado em detrimento de precipitações em busca de roubos de bola ou tocos. Na somatória, noves fora, o segundo jogador mais eficiente (estatisticamente) do campeonato .
Um quadro que não condiz, que não bate com o que aprendemos a admirar – ou lamentar, dependendo do grau de envolvimento emocional – em suas partidas pela seleção argentina, na qual é valorizado por sua atenção aos pequenos detalhes do esporte, e, não, como um carro-chefe da equipe, daqueles com volume de jogo (mucho gusto, Scola, Delfino, Nocioni, Ginóbili, Quinteros, Prigioni etc).
No fatídico Pré-Olímpico de Las Vegas-2007, fez o serviço sujo para Scola e Delfino brilharem |
Em toda a sua carreira em torneios FIBA com a albiceleste, só duplo digíto em pontuação no Sul-Americano de 2003, lá em Campos dos Goytacazes, com 11,2 por partida, época em que sua massa capilar ia muito além de el bigodón, compondo um visual setentista daqueles, e na Copa América de Santo Domingo-2005, com cravados. Fora esses dois torneios, em competições de alto nível (ou, não), ele teve médias de: 3,8, 3,7, 4,4, 0,5, 2, 7,3 e 4,4. Em quatro ocasiões, teve mais rebotes do que pontos, na verdade.
(Agora uma pausa nem tão breve para rodar o relógio para trás: era 2003 em Campos de Goytacazes, e naqueles dias a cidade fluminense tinha seu próprio clube na elite do basquete brasileiro, dirigido por Guerrinha, usando um modesto ginásio, onde este palpiteiro aqui enfornado para as finais do Sul-Americano, sentado nas tímidas arquibancadas ao lado de alguns scouts perdidos da NBA – o argentino Lisandro Miranda, do Dallas Mavericks, e dois (vai entender...) do Houston Rockets, BJ alguma coisa, uma gigante figuraça, e Melvin Hunt, mais calado e hoje assistente técnico preferido de George Karl no Denver Nuggets, em ascensão notável, depois de ter trabalhado no banco do Cleveland Cavaliers. O principal alvo da trupe era o então jovem Carlos Delfino, que, na decisão, saltou para uma enterrada frontal, no meio do garrafão, diante do imponente Estevam: por alguns segundos, a respiração coletiva do ginásio parou e os olheiros da liga norte-americana levaram as mãos para a cabeça; o tempo se descongelou quando o pivô brasileiro, corajoso e ainda vigoroso, acabou fazendo a falta no ala, que seria selecionado no draft um ano mais tarde pelo Detroit Pistons. Neste mesmo jogo, num domingo bem quente, Walter Herrmann, um cracaço que fazia a bola parecer de tênis em suas mãos, só não fez chover dentro de quadra. No time brasileiro, lembro que André Bambu havia rendido algunas notas para esses deslocados visistantes).
Agora voltando: estávamos falando de como Kammerichs construiu sua carreira internacional muito mais como um operário do que como chefe da companhia. E o que acontece, então, para este veterano argentino se sobressair no NBB?
Leandrinho disparou, e Kammerichs vem atrás de qualquer sobra |
O ala-pivô nunca foi um jogador conhecido por sua capacidade atlética. Mas descolou seu nicho pela capacidade de leitura de jogo. Quase sempre aparece no lugar certo na hora certa para recuperar uma bola perdida, para fazer uma cobertura defensiva, se sarificar em corta-luzes, capturar um rebote ofensivo, bloquear um pivô por trás. Ele sabe se aproveitar de quebras no sistema, de alguma interrupção no fluxo da partida para dar o bote. Nos jogos frenéticos e desorganizados que temos visto durante o campeonato nacional, esse tipo de lapso ocorre aos montes, e há poucos concorrentes interessados nesse tipo de ação.
Kammerichs também é daqueles que joga duro o tempo todo. Pode ser lento e não sair do chão, mas seus rivais não se podem deixar levar pela falsa impressão de estarem diante de um molenga. Especialmente quando confrontado com jogadores pouco móveis ou atléticos, que não consigam se aproveitar de suas deficiências – como Lucas Cipolini e Luis Felipe Gruber fizeram no sábado, aliás –, seu tino pela bola e dedicação podem colocá-lo em vantagem com facilidade. Ele vai correr o contra-ataque e receber a assistência do armador velocista que disparou primeiro. Vai atacar o rebote ofensivo. Vai se posicionar em um buraco defensivo e ter toda a liberdade do mundo para matar seu arremesso de média distância, embora não seja nenhum Léo Gutiérrez em termos de precisão.
Daí o volume maior ofensivo, ainda que nenhuma jogada seja propriamente desenhada para sua prestação de serviços. A cada cesta que faz, ele tem o hábito de cerrar o punho, com o braço flexionado, vibrando consigo de um modo um tanto desengonçado. Nunca em sua vida foi tão fácil atacar assim, então é hora de comemorar e aproveitar mesmo.
Só fica registrada aqui, no fim, a expectativa de que esse esforçado operário possa exercer qualquer tipo de influência em seus concorrentes brasileiros que não pelos seus supostos dotes ofensivos.
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