sexta-feira, 18 de maio de 2012

O preço de ser diferente


Você clica no link e começa a ler um artigo do grande Marcel que tem as seguintes frases iniciais: “Eu gostaria de dizer de início que não tenho mais nenhuma pretensão a posto algum no basquete.   Desisti dele em 1975, no vestiário do ginásio da Bradley University, quando me olhei no espelho e vi que seria médico. Só percebi isso em 2011, quando senti que a vida não me faria sentido sem que exercesse minha verdadeira profissão”.

E aí já se sabe que as coisas não vão, ou não devem terminar bem ao voltar sua cabeça para um artigo de repercussão.

Chamam a atenção estas frases:

- “Não reclamo do modo como fui tratado pelos do basquete principalmente nos últimos anos, afinal de contas, tenho que entender que minha maneira de ver o jogo não é a ideal para o basquete brasileiro. Nunca foi”.

- “Não culpo pessoas pelo tratamento quase sempre desrespeitoso que recebi por ter acreditado e lutado pelo ‘meu basquete’.”

- “Tudo o que alcancei e vivi no basquete, me deu o direito de também tratá-lo como sempre fiz: verdade acima de tudo, amor incondicional e luta pelo que acreditava ser o que sempre chamei de ‘o bom basquete’. Aquele jogado dentro da quadra, treinado à exaustão e aperfeiçoado em horas sem fim de treinamento individualizado (eu sozinho dentro do ginásio).”

Na hora, bateu uma sensação de “já li isso aqui antes”. Para os que acompanham com regularidade os textos do professor Paulo Murilo,  imagino que saibam do que estamos falando. Para os que não seguem seus textos, corra lá agora.

Como Marcel não pode ser aceito pelo basquete brasileiro?

Marcel diz que se sente livre agora, ao tomar ciência de que está fora do basquete. (Mas, diga-se, não sem antes nos brindar com um artigo focado nas perspectivas sobre a Seleção olímpica de Magnano – e jajá vamos escrever outro texto a respeito, porque vale a pedida).

Nas pensamentos pinçados acima, fica óbvia uma frustração, ou decepção por uma vocação não correspondida. Se Marcel (diz) se distancia(r) do basquete hoje, é porque antes foi afastado dele.  Talvez não fosse para ser, como ele escreve? Talvez ele fosse o médico ideal que o Brasil não teve? Quiçá? Em termos de saúde pública, é muito provável que precisávamos e precisemos mais de um profissional talentoso e dedicado como o formando de Bradley.

Mas o que sabemos seguramente é que, na quadra, ao menos ele realmente foi uma grande influência para o nosso basquete. Fora da quadra? Podemos dizer que ele tentou (e ainda tenta, como o artigo publicado), mas, por alguma razão, não conseguiu do modo como queria e sonhava.

Nesse ponto, realmente bate a sensação de déjà vu em relação aos textos de Paulo Murilo, ainda ativo e capaz de comandar uma equipe, mas cujas ideias expostas com frequência intermitente em seu Basquete Brasil – tal como Marcel o fez mais esporadicamente no Databasket – talvez assustem em demasiado o establishment do esporte nacional.

O Saldanha de Paulo Murilo (d) marcou época. Saibam disso


De cabeça, lembro de um grande trabalho do ex-ala da Seleção como comandante do São Bernardo em um Campeonato Paulista da década passada (quando mesmo?), em que conseguiu ir longe com um time com orçamento bem mais limitado que o dos Francas, COCs e Paulistanos da vida. Era uma equipe que valorizava o passe, buscando o arremesso mais equilibrado e talvez tentasse implantar um pouco do sistema de triângulos aprimorado por Tex Winter e laureado na as aplicações de Phil Jackson.  Se não era esse o caso, corrijo aqui na hora. A memória pode falhar.

Mais fresca na cabeça está a surpreendente campanha do (hoje combalido e fora do NBB) Saldanha da Gama do professor, que assumiu a barca durante a competição e a revolucionou – chocando e derrubando uma série de potências da competição. Era um time pautado por sua filosofia de quadra com dupla armação e três alas-pivôs ágeis, móveis e combativos. Em seu site, há vasta literatura a respeito. Também tínhamos aqui um caso de clube com rendimento financeiro bem inferior, e não importava: Casé, Rafinha, Muñoz, Lucas, Amiel, De Jesus, André e muitos outros cresceram de produção, num tapa na cara de muitos que não sabem enxergar o potencial atlético e dinâmico de uma vasta gama de atletas brasileiros.

Num comentário recente em resposta a um leitor do “Basquete Brasil”, Paulo Murilo nos conta um pouco do que idealiza: “Sempre busquei esse principio de jogo livre como sinônimo de pleno conhecimento e domínio daqueles elementos básicos do jogo individual e por equipe, que somados e amalgamados entre si elevassem o improviso a seus patamares mais altos, como num encontro jazzístico, onde cada elemento da banda solasse seus improvisos em estreito casamento com os demais. (...) Só improvisa quem sabe e domina seu instrumento, em toda a sua extensão e possibilidades. Assim vejo o jogo livre, que para ser alcançado denota muito estudo, trabalho e sacrifícios, e acima de tudo abnegação e entrega”.

Nãi sei se existe uma relação pessoal entre Marcel e Paulo Murilo, em encontros e desencontros do nosso basquete, e para este incompetente articulista nem importa: em seus discursos fica bem clara a vontade de buscar algo diferente, de se deixar instigar pelo jogo, em vez de se acomodar com ele.  Hoje, os dois encontram abrigo na internet. Lá fora, parece não haver espaço para isso.

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