Você clica no link e começa a ler um artigo do grande Marcel que tem
as seguintes frases iniciais: “Eu gostaria de dizer de início que não tenho
mais nenhuma pretensão a posto algum no basquete. Desisti dele em 1975, no vestiário do ginásio da
Bradley University, quando me olhei no espelho e vi que seria médico. Só
percebi isso em 2011, quando senti que a vida não me faria sentido sem que
exercesse minha verdadeira profissão”.
E aí já se sabe que as coisas não vão, ou não devem terminar bem ao
voltar sua cabeça para um artigo de repercussão.
Chamam a atenção estas frases:
- “Não reclamo
do modo como fui tratado pelos do basquete principalmente nos últimos anos,
afinal de contas, tenho que entender que minha maneira de ver o jogo não é a
ideal para o basquete brasileiro. Nunca foi”.
- “Não culpo
pessoas pelo tratamento quase sempre desrespeitoso que recebi por ter acreditado
e lutado pelo ‘meu basquete’.”
- “Tudo o
que alcancei e vivi no basquete, me deu o direito de também tratá-lo como
sempre fiz: verdade acima de tudo, amor incondicional e luta pelo que
acreditava ser o que sempre chamei de ‘o bom basquete’. Aquele jogado dentro da
quadra, treinado à exaustão e aperfeiçoado em horas sem fim de treinamento
individualizado (eu sozinho dentro do ginásio).”
Na hora,
bateu uma sensação de “já li isso aqui antes”. Para os que acompanham com
regularidade os textos do professor Paulo Murilo, imagino que saibam do que estamos falando. Para os que não
seguem seus textos, corra lá agora.
Como Marcel não pode ser aceito pelo basquete brasileiro? |
Marcel diz
que se sente livre agora, ao tomar ciência de que está fora do basquete. (Mas,
diga-se, não sem antes nos brindar com um artigo focado nas perspectivas sobre a
Seleção olímpica de Magnano – e jajá vamos escrever outro texto a respeito,
porque vale a pedida).
Nas pensamentos
pinçados acima, fica óbvia uma frustração, ou decepção por uma vocação não
correspondida. Se Marcel (diz) se distancia(r) do basquete hoje, é porque antes
foi afastado dele. Talvez não
fosse para ser, como ele escreve? Talvez ele fosse o médico ideal que o Brasil
não teve? Quiçá? Em termos de saúde pública, é muito provável que precisávamos
e precisemos mais de um profissional talentoso e dedicado como o formando de
Bradley.
Mas o que
sabemos seguramente é que, na quadra, ao menos ele realmente foi uma grande
influência para o nosso basquete. Fora da quadra? Podemos dizer que ele tentou
(e ainda tenta, como o artigo publicado), mas, por alguma razão, não conseguiu
do modo como queria e sonhava.
Nesse ponto,
realmente bate a sensação de déjà vu em relação aos textos de Paulo Murilo,
ainda ativo e capaz de comandar uma equipe, mas cujas ideias expostas com
frequência intermitente em seu Basquete Brasil – tal como Marcel o fez mais esporadicamente
no Databasket – talvez assustem em demasiado o establishment do esporte nacional.
O Saldanha de Paulo Murilo (d) marcou época. Saibam disso |
De cabeça,
lembro de um grande trabalho do ex-ala da Seleção como comandante do São
Bernardo em um Campeonato Paulista da década passada (quando mesmo?), em que conseguiu
ir longe com um time com orçamento bem mais limitado que o dos Francas, COCs e
Paulistanos da vida. Era uma equipe que valorizava o passe, buscando o
arremesso mais equilibrado e talvez tentasse implantar um pouco do sistema de
triângulos aprimorado por Tex Winter e laureado na as aplicações de Phil
Jackson. Se não era esse o caso,
corrijo aqui na hora. A memória pode falhar.
Mais fresca
na cabeça está a surpreendente campanha do (hoje combalido e fora do NBB) Saldanha da Gama do professor, que assumiu a barca durante a competição e a revolucionou
– chocando e derrubando uma série de potências da competição. Era um time
pautado por sua filosofia de quadra com dupla armação e três alas-pivôs ágeis,
móveis e combativos. Em seu site, há vasta literatura a respeito. Também tínhamos
aqui um caso de clube com rendimento financeiro bem inferior, e não importava:
Casé, Rafinha, Muñoz, Lucas, Amiel, De Jesus, André e muitos outros cresceram de produção, num
tapa na cara de muitos que não sabem enxergar o potencial atlético e dinâmico
de uma vasta gama de atletas brasileiros.
Num comentário
recente em resposta a um leitor do “Basquete Brasil”, Paulo Murilo nos conta um
pouco do que idealiza: “Sempre busquei esse principio de jogo livre como
sinônimo de pleno conhecimento e domínio daqueles elementos básicos do jogo
individual e por equipe, que somados e amalgamados entre si elevassem o
improviso a seus patamares mais altos, como num encontro jazzístico, onde cada
elemento da banda solasse seus improvisos em estreito casamento com os demais. (...)
Só improvisa quem sabe e domina seu instrumento, em toda a sua extensão e
possibilidades. Assim vejo o jogo livre, que para ser alcançado denota muito
estudo, trabalho e sacrifícios, e acima de tudo abnegação e entrega”.
Nãi sei se
existe uma relação pessoal entre Marcel e Paulo Murilo, em encontros e
desencontros do nosso basquete, e para este incompetente articulista nem
importa: em seus discursos fica bem clara a vontade de buscar algo diferente,
de se deixar instigar pelo jogo, em vez de se acomodar com ele. Hoje, os dois encontram abrigo na
internet. Lá fora, parece não haver espaço para isso.
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