quarta-feira, 20 de junho de 2012

O conto do armador

Você pode escolher entre dois dados.

O armador Dery Ramos fez os últimos quatro ou cinco pontos do Brasil sub-18 na vitória sobre o Canadá, pela semifinal da Copa América, nesta terça-feira. O placar foi de 66 a 62. Quatro pontos, uma bola de longe matadora. Herói!

Mas aí voce se lembra que o jogo tem 40 minutos. O ponto que caiu no primeiro quarto é o mesmo do terceiro período. Não existe bônus. Em 36 minutos em quadra, o jogador do Limeira acertou apenas 5 de 16 arremessos de quadra, incluindo um familiar 3/10 nos chutes de três. Vilão?

Na verdade, você não é obrigado, não precisa escolher nada.

Ainda mais se estamos diante de um garoto de 17 anos. Com essa idade, não se pode encarar nada como algo definitivo.  O que dá para fazer: constatar tendências e refletir sobre elas. 

Adiante, então.

Deryk encara marcação do badalado Andrew Wiggins
Em quatro jogos da Seleçãozinha na Copa América, há um claro divisor nos números do armador. Contra México e Ilhas Virgens, ele acertou 11 de 24 arremessos no geral (45,8%), oito de 15 na linha de três (53,3%). Contra EUA e Canadá, aproveitamento despencou para 7 de 27 (25,9%) e 4 de 16 (25%), respectivamente. 

Em média, Deryk arremessa 12,5 vezes por partida para um total de 15,0 pontos e 3,25 assistências. Nesses dois pares de jogo, uma coisa fica bem clara: sua abordagem agressiva no ataque é a mesma, não importando a ocasião. O que muda, porém, é a qualidade dos oponentes. Os dois primeiros compunham meramente a chave. Os dois últimos chegaram para brigar pelo título. 

Já se ouve há séculos as críticas sobre a formação de armadores no país. Acabamos de contratar naturalizar um norte-americano para ajudar na função, inclusive. Temos diversos "reizinhos" que fizeram história no Campeonato Paulista, no Nacional e agora fazem no NBB com sua volúpia ofensiva. Cultivados assim, desde a base, a serem matadores, a ganharem jogos e campeonatos. Em casa. Quando confrontados com outras opções, são depostos.

Qual foi a última vez que esse tipo de comportamento de um armador brasileiro se traduziu internacionalmente? 

* * *

Nezinho em açãono Sul-Americano
Um pouco mais cedo, entre os marmanjos, o Brasil se reabilitaria no Sul-Americano com uma vitória sobre o Uruguai, time bem mais forte que o rival da sofrida estréia, o Paraguai. (Exibição defensiva muito melhor, por sinal, nos três primeiros quartos).

O destaque do jogo foi um dos nossos reizinhos, Nezinho, com 23 pontos e duas assistências. Então o timing desse artigo aqui talvez não fosse o melhor.

Nhé-nhé.

Quando falamos do armador do Brasília, não existem muitas efemeridades. Ele é o que é, e filosefemos assim, mesmo. Os punhos cerrados na altura do peito, o peito arqueado para a frente, o joelho ligeiramente dobrado, e a vibração na quadra. Estava mandando no jogo, calando a todos. 

Mas, não. Não era o suficiente para esquecer o que foi a partida contra o Paraguai, ou o ele fez no verão passado. Ou no retrasado. E o de 2009 também conta. Não adianta matar o jogo e não fazer os companheiros renderem.

É o mais do mesmo, e vocês sabem do que estamos falando. 

* * *

Ao menos pelo que se observa na Copa América Sub-18, vemos um garoto seguindo essa trilha.

Em tempo: não existe uma só maneira de se formar um armador. Nem todos são John Stockton. Cada equipe se ajusta ao seu modo, com o que tem. Vejam o Chicago Bulls de Derrick Rose. Lá, o elenco foi moldado com guerreiros como Deng, Noah, Asik, Gibson, Brewer para segurar o tranco na defesa, enquanto Rose tem toda a liberdade do mundo para criar no ataque, seja por jogadas individuais suas ou para os companheiros.

Quando você se desenvolve como um arremessador travestido de armador, a linha tênue para seguir é muito fina, bem delicada. Precisa saber o que é uma brecha de defesa e o que é uma armadilha. Precisa distinguir entre  competitividade e suicídio.

Na Seleçãozinha, percebe-se que Deryk tem essa carta branca, ainda mais por ter Arthur Pecos e alas habilidosos ao seu redor que ajudam a levar a bola. De certo modo, se torna realmente muito tentador abrir a quadra para o atleta, que, em muitos momentos, lembra JJ Barea – o cabelo, a barba cheia, o bermudão longo e o meiam esticado também ajudam. Tem um pouco do porto-riquenho no modo de ler a defesa e partir para bote, progredir para a cesta. Se não é tão veloz, é maior e mais atlético. 

Visual e características parecidas com as de JJ Barea

Potencial ele tem. E, com 17 anos, Deryk tem muito o que evoluir e se desenvolver ainda –  seria o caminho natural. Seu basquete pode apontar para inúmeras direções, e ninguém pode prever no que isso vai dar.

Personalidade? Também não há dúvida que exista. Veja o que ele disse depois de encestar uma bola de três pontos que deu ligeira vantagem ao Brasil diante dos canadenses nos minutos finais: "Foi o momento no qual eu estava mais confiante dentro do jogo", contou ao Basketeria, vindo de uma série de dois acertos em nove tentativas de longe. "Todo mundo estava contando comigo, era a hora que eu mais precisava de confiança. Com certeza esta é a maior emoção da minha carreira."

Se confiou, tá bom. Agora, em termos de eficiência, o saldo do jovem brasileiro precisa de uma avaliação menos apaixonada e imediatista.

Primeiro: Deryk não vem produzindo muita coisa para os parceiros. Seria um plano de contingência (com o qual não concordaria, dada a qualidade que Lucas Dias, muito mais eficiente) e alguns de nossos pivôs mostraram para finalizar próximos do aro) ou estamos empurrando-o nessa direção? Já falaram que, em outras partidas, fora da Seleção, ele distribui muito mais o jogo.

Segundo: mesmo que esse seja o plano, ninguém pode realmente achar que um rendimento de 26% nos arremessos é saudável ou salutar. De novo estamos falando em como seu jogo pode ser traduzido para competições mais difíceis, em que vai enfrentar oponentes mais tarimbados e bem preparados. 

Os números e o basquete como um todo oferecidos pelo jogador contra EUA e Canadá requerem pausa. Não é uma única, embora importante vitória, que vai torná-los promissores – e vamos parar com essa coisa de "histórica", por favor: falava-se e fala-se do futuro dos canadenses, e, não, necessariamente dos monstros que eles já fossem ou são. 

Só não há vaga em Mundial ou título – o famigerado "resultado como prioridade" – que deva esconder, aplacar, omitir vícios de formação. E isso não tem nada a ver com heróis ou vilões.

2 comentários:

  1. Quando mencionaste, no twitter, que escreveria algo sobre ele, imaginei que seria isso. De fato, é um ótimo ponto. Na verdade, quais os armadores (PG, posição 1, armador clássico)formamos com qualidade no Brasil nos últimos anos? Lembro vagamente do Huertas no Paulistano quando bem jovem. Em um dos jogos pontuou com facilidade e me fez imaginar que teria futuro. Mas definitivamente o cara que vinha na minha cabeça não era o cerebral e inteligente armador de hoje. Se tivesse continuado no Brasil, como seria? Fico feliz de ver o Raulzinho evoluindo na Espanha. (Apesar dele já sair com qualidades diferentes do Deryk, provavelmente lapidadas pelo exigente pai e treinador, um fato incomum). Precisamos rever essa escola de armadores no Brasil. Pensar mais no 5 contra 5 e explorar o bom garrafão que surge todo ano nas próprias categorias de base.

    Abraço,

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  2. Olá, Roberto, acompanhei bem de perto os primeiros campeonatos de Huertas pelo Paulistano, e ele era realmente diferente dos demais, muito criativo com a bola. Era só uma questão de colocar as coisas em ordem. Mas foi beeeem longe na Europa, mesmo. Difícil para qualquer um imaginar que teria uma projeção dessas. Nossa deficiência generalizada na posição de armador talvez seja a maior prova de como nossa base precisa de melhorias: os pivôs vão surgindoe e se destacando, de um modo ou de outro, pela exuberância física. Tamanho, vitalidade, impulsão, um pacote físico que desenvolve de forma interente – "Tamanho não se ensina", no verbete do basquete americano). Passe, drible, leitura de jogo: ah, isso, se ensina, sim.

    Abraço,
    Gian.

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